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Por que esquecemos? O papel essencial do esquecimento para nossa memória

Por que esquecemos? O papel essencial do esquecimento para nossa memória

Você já se sentiu frustrado por esquecer onde deixou as chaves ou o aniversário de um amigo? Enquanto o esquecimento parece um defeito irritante do nosso cérebro, e se eu disser que esquecer é, na verdade, uma função vital para nossa sobrevivência e funcionamento mental? Neste artigo, vamos explorar por que nosso cérebro precisa esquecer para lembrar melhor.

A surpreendente capacidade da memória humana

Nossa memória tem uma capacidade teórica impressionante. Cientistas estimam que podemos armazenar aproximadamente 2,5 petabytes de informação – o equivalente a:

  • 2,5 milhões de gigabytes
  • 3 milhões de horas de vídeo (cerca de 340 anos de gravação contínua)
  • Se considerarmos as conexões neurais como base do armazenamento, podemos teoricamente guardar mais memórias do que há átomos no universo

Com essa capacidade colossal, parece contraditório que sejamos tão propensos a esquecer informações. Mas será que total lembrança, como um computador, seria realmente benéfica?

Por que esquecer é essencial para lembrar

Longe de ser um defeito, o esquecimento é um mecanismo adaptativo crucial. Os dois principais fenômenos que explicam essa função são:

Interferência: quando memórias competem entre si

A interferência ocorre quando uma memória atrapalha a recordação de outra. Pense no seguinte cenário: você conhece uma pessoa pela manhã, mas encontra mais três pessoas ao longo do dia. Quando tenta lembrar o nome da primeira pessoa, tem dificuldade porque as memórias mais recentes “interferem” com a recordação.

Se lembrássemos de absolutamente tudo, a quantidade de interferência seria esmagadora, tornando quase impossível acessar as informações realmente importantes.

Deterioração: o filtro natural da memória

A deterioração é o processo pelo qual a informação se apaga se não for consolidada como memória de longo prazo. Este processo funciona como um filtro natural que nos ajuda a:

  • Preservar as memórias mais relevantes para nossa sobrevivência
  • Evitar o acúmulo de dados irrelevantes
  • Reduzir a interferência entre memórias

Exemplo prático: Lembramos onde há uma cobra venenosa, não de todas as pedras que vimos na vida. Isso nos permite recuperar rapidamente a informação vital sem interferência de dados irrelevantes.

Como funciona o processo de memória?

Para entender melhor o esquecimento, precisamos conhecer como as memórias são formadas. O modelo básico de memória inclui:

Memória de curto prazo (memória de trabalho)

Esta é nossa “área de trabalho” mental, onde:

  1. A informação dos sentidos é filtrada pela atenção
  2. Apenas os elementos mais importantes ou perceptíveis são selecionados
  3. A informação pode ser usada imediatamente ou preparada para armazenamento de longo prazo

Memória de longo prazo

Quando uma informação na memória de trabalho é considerada importante ou relevante, ela passa por um processo de codificação para armazenamento permanente. William James, pioneiro da psicologia, descreveu poeticamente este processo em 1890:

“A corrente de pensamento flui; a maior parte, no entanto, de seus segmentos cai nos abismos sem fundo do esquecimento. De alguns, nenhuma memória sobrevive ao instante de sua passagem.”

A base fisiológica da memória: o que nos ensina a lesma-do-mar

O neuropsiquiatra Eric Kandel, ganhador do Prêmio Nobel, utilizou a lesma-do-mar para descobrir os mecanismos físicos da formação de memória, conhecidos como “engramas”. Suas descobertas revelaram que:

Memória de curto prazo

  • Formada quando uma sinapse (conexão entre células nervosas) é temporariamente fortalecida
  • O sinal entre duas células nervosas é amplificado por um curto período

Memória de longo prazo

  • Envolve mudanças estruturais significativas nas sinapses
  • Resulta na formação de novas conexões sinápticas permanentes

A arte de esquecer para lembrar melhor

O esquecimento, portanto, não é uma falha, mas uma adaptação evolutiva que nos permite:

  1. Filtrar informações irrelevantes
  2. Dar prioridade às memórias importantes para nossa sobrevivência
  3. Reduzir a interferência entre memórias similares
  4. Acessar mais rapidamente as informações cruciais

Num mundo onde somos bombardeados constantemente com informações, a capacidade de esquecer é tão importante quanto a capacidade de lembrar.

Como podemos otimizar nossa memória?

Agora que entendemos a importância do esquecimento, como podemos trabalhar a nosso favor para melhorar nossa memória?

  • Repetição espaçada: Revise informações importantes em intervalos regulares
  • Associação: Conecte novas informações a conhecimentos existentes
  • Atenção plena: Preste atenção total ao que deseja lembrar
  • Contextualização: Crie um contexto rico para suas memórias importantes
  • Descanso adequado: O sono é fundamental para a consolidação da memória

Conclusão: Celebrando o esquecimento

Da próxima vez que você esquecer onde deixou as chaves, talvez possa apreciar o fato de que seu cérebro está funcionando exatamente como deveria – priorizando informações mais importantes e descartando o que considera irrelevante.

O esquecimento não é um defeito, mas uma característica sofisticada que evoluiu para nos ajudar a navegar num mundo complexo e cheio de informações. Esquecer é, paradoxalmente, uma parte essencial de lembrar.


Você tem dificuldades com memória ou técnicas especiais para lembrar de informações importantes? Compartilhe nos comentários abaixo suas experiências e dicas para melhorar a memória no dia a dia!

Referência

LEVY, Joel. História da psicologia sem as partes chatas: tudo o que você sempre quis saber sobre o comportamento humano e nem Freud conseguiu explicar. Editora Cultrix, 2016.

Sou formanda do último ano de Psicologia e aqui, você encontrará artigos de fontes confiáveis, dicas e reflexões que exploram o mundo da psicologia e o comportamento humano.

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